Uma Linguagem Secreta que Revela a Essência de Gießen
- Tiago Sanches Valentin
- 12 de abr.
- 2 min de leitura
Caminhando pelas ruas de Gießen, algo chamou minha atenção: a palavra “Ulai” rabiscada em uma parede. Não era apenas mais uma marca aleatória na paisagem urbana, mas algo enigmático, quase ritualístico sobre aquele termo. Foi assim que descobri o Manisch, uma língua secreta cultivada por comunidades marginalizadas, principalmente o povo Jenischen. Inspirado por um recente relatório sobre o reconhecimento do Manisch como patrimônio cultural imaterial, senti-me impelido a mergulhar neste universo e refletir sobre o que essa língua representa para a cidade e para nós, como sociedade.
As raízes do Manisch, também conhecido como Gießener Jenisch, são profundas e complexas. Surgiu como uma forma de comunicação fechada entre aqueles que viviam à margem – catadores, artistas itinerantes, afiadores de facas – desde o século XIX, mas suas origens remontam à Idade Média. Desprovido de gramática formal, o Manisch é um mosaico de códigos e palavras emprestadas de diversas fontes, como o alemão, Rotwelsch, o iídiche ocidental, o romaní e a própria língua Jenischen. Descobrir isso me fez perceber que o Manisch é mais do que uma língua secreta; é um testemunho vivo da resistência cultural. Por muito tempo, essa língua foi transmitida oralmente, um pacto silencioso entre gerações que precisavam se proteger de um mundo que frequentemente as excluía.
Em 2023, o Manisch foi oficialmente reconhecido como patrimônio cultural imaterial pela UNESCO, graças ao trabalho incansável de estudiosos como Klaus Siewert e Günter Hecher. Essa conquista representa mais do que um selo de aprovação histórica; é um reconhecimento da dignidade de um povo que sempre teve de lutar para existir de forma autêntica. O relatório que inspirou este texto destacou como este reconhecimento reacendeu o interesse local e nacional pela língua. Exposições, dicionários, projetos acadêmicos e até mesmo novelas policiais começaram a incorporar elementos do Manisch – como se Gießen estivesse finalmente redescobrindo uma parte esquecida de si mesma.
O mais fascinante para mim é como o Manisch ainda pulsa pelas ruas. Palavras como “Ulai”, “maschabo” (amigo), “ballesforesch” (bêbado) e “stichl nowi” aparecem em camisetas, bonés, muros e até nas conversas entre moradores mais antigos. Essa apropriação popular da língua revela algo poderoso: uma cidade encontrando em sua herança marginalizada uma nova forma de orgulho. Gießen, com sua história cheia de contrastes e divisões sociais, parece ter encontrado no Manisch um símbolo de unidade. Como afirmou o político e linguista Frank-Tilo Becher, este reconhecimento é mais do que um prêmio – é um convite para valorizar a diversidade cultural que molda a identidade local.
Escrever sobre o Manisch me fez pensar em como as línguas podem carregar cicatrizes e vitórias. O que antes era código de sobrevivência, agora se transforma em bandeira de pertencimento. Ao reconhecer essa herança, Gießen não só honra o seu passado, mas também constrói um futuro mais sensível às vozes que costumam ser silenciadas.
תגובות